Vivemos um momento no País em que se acumulam indignações sobre as inegáveis derrapadas éticas cometidas por parlamentares, dirigentes públicos e líderes de diferentes segmentos da vida nacional. Ao mesmo tempo, imagina-se e procura-se construir uma Educação de mais qualidade e inúmeras ações são pensadas para diminuir as desigualdades sociais presentes no Brasil. Como compatibilizar o sonho com a realidade de corrupção e desvios de conduta?
“Não adianta nada”, diriam alguns, mais céticos, a corrupção e o fisiologismo seriam partes do que poderíamos chamar de “alma brasileira”. Assim, não só o sonho se mostraria impossível de ser concretizado, como, mais grave, outros que ocupassem os mesmos lugares de liderança tenderiam a fazer o mesmo. Pior, em alguns casos a indignação acaba levando a um cinismo paralisante e reprodutor das condutas questionadas: “se eu estivesse no lugar deles faria o mesmo” ou “se todos agem assim, por que não eu?”.
A ética é resultado de uma construção coletiva inconsciente, que estabelece o que é considerado aceitável nas relações entre o ser humano e seus contemporâneos, na preservação de sua história e na interação com as futuras gerações. Define regras gerais de comportamento para garantir paz nas interações que estabelecemos com os habitantes da comunidade em que vivemos seja ela um lugarejo ou todo o Planeta. Envolve também uma preocupação com o futuro, garantindo-se que não estragaremos as condições de vida dos que virão depois de nós. Mas, apesar de produto de uma evolução coletiva, a ética é e deve ser, sobretudo, algo internalizado. É um compromisso pessoal com o que se acredita correto. Envolve a noção de que somos responsáveis pelo nosso crescimento pessoal (auto-desenvolvimento) e, simultaneamente, a incorporação da percepção do outro na conduta cotidiana. Traz consigo a presença de um juiz interior muito mais poderoso e competente que fiscais ou investigadores, que surge de um projeto de autonomia e liberdade do ser humano.
Desvios de conduta do outro, neste caso, não pacificam ou tornam condescendente nosso juiz interno. Afinal, trata-se do meu projeto de vida. Se não me conduzo de forma que considero apropriada, pelos valores que tenho ou que internalizei, devo satisfações sérias ao meu projeto – devo me levantar e recomeçar. Esta visão de ética, assim, centrada na autonomia do ser humano, resgata a noção de que somos responsáveis por nossas vidas e por suas conseqüências no entorno: a vida que a gente quer depende do que a gente faz, nas belas palavras de Max Feffer.
Assisti uma vez, encantada, a belíssima apresentação de Felipe Gonzalez, ex- primeiro ministro da Espanha para um grupo de 30 pessoas em São Paulo. Na palestra, ele nos contou sobre como conduziu a modernização de seu país, relatando algumas conquistas e realizações que o orgulhavam. Mas, para minha surpresa (e, acredito, de todos) interrompeu aquilo que poderia ser visto como uma auto-promoção para dizer que algo havia saído muito errado. Não conseguira transformar a Educação na Espanha. Ora, pensei, a Educação na Espanha é de melhor qualidade que a nossa. Assim, o que poderia preocupá-lo? Na verdade, a escola espanhola produzia seres humanos que, ao sair da escola, imediatamente se perguntavam sobre o que o Estado ou a sociedade iria oferecer para eles. Formava, percebia o ex-dirigente espanhol, pessoas dependentes.
Não existe possibilidade de ética se as pessoas se percebem como não autônomas e, portanto, não responsáveis por seus atos e omissões. A base de uma interação social saudável é a existência de redes de pessoas livres – não só para construir suas vidas com dignidade-como para responder por suas escolhas. Assim, voltando à escola sonhada por Felipe Gonzalez, seria a que formasse cidadãos que se perguntam ao concluir os estudos: o que posso fazer agora por mim e pelos membros da minha comunidade?
Mas não parece contraditório dizer que temos que nos preocupar simultaneamente conosco e com o próximo? Esta aparente contradição é uma das mais belas da condição humana: só posso ser livre numa comunidade que busca construir a possibilidade da liberdade. Só posso ser responsável e, portanto, ético, se sou livre. Mas a pior das amarras, como denunciava Étienne de la Boétie em seu fantástico Discurso da Servidão Voluntária, escrito ainda no século XVI, é a que colocamos em nós mesmos. Nem sempre queremos ser livres e autônomos. Preferimos por vezes apenas denunciarmos a falta de ética dos outros e elegermos culpados por nossos problemas.
(texto de Cláudia Costin - vice-presidente da Fundação Victor Civita. Foi Ministra da Administração Federal e Reforma do Estado, secretária de cultura do Estado de São Paulo.)
A partir do texto de Cláudia Costin e dos estudos que vocês estão realizando na disciplina de formação Profissional VI e VII, responda:
Qual é a sua visão sobre a realidade de corrupção e desvio de conduta que observamos por parte das lideranças do nosso país e da nossa cidade? O que é ética para você? Como governante, o que você faria pela a educação?